Sei que a idéia parece batida, tirada de propaganda de televisão, feita para vender mais. Nessa hora, aparecem todos os sorrisos, as crianças felizes, a família reunia em torno da mesa lauta. Isso, depois de se passarem doze meses de uma bateria de pessimismo, violência e música pesada... Mas, vá lá. Melhor trinta dias do que nada.
Mas não é desse Natal que se fala. Não é do Natal do consumo, dos que saem correndo às lojas em busca de presentes. Nem das promessas de fim de ano, que morrem por volta do dia quinze de janeiro do próximo ano. Muito menos das felicitações por resultados obtidos, ou das festas com muita comida e bicarbonato de sódio no dia seguinte. Esqueça-se de Papai Noel!
Infelizmente, o Natal virou tudo isso. Uma festa, materialista e comercial, em que nada mais fazemos do que acelerar um pouco mais a correria do dia a dia para viajar ou organizar eventos. Época triste, na qual desgastamo-nos ainda mais em nossas combalidas energias. O Natal se tornou uma data cheia de cores e luzes externas, e com raras luzes internas. Aquelas que brotam do nosso coração, de nossa alma. Luzes imperecíveis, que não impressionam os sentidos, mas tocam os corações.
Onde estão essas luzes?
Onde está o amor?
Cristãos ou não, lembremo-nos de que a data marca a passagem de um certo Jesus, nascido em Belém e criado em Nazaré. Um homem tão rico, e ao mesmo tempo tão simples, que marcou a História. Dividiu os tempos, ao menos para os ocidentais, e se tornou digno de respeito por toda a humanidade, crentes ou não. Um homem que efetivamente agiu no mundo, e transformou-o com suas ações. Disse, sim, muitas palavras – e foi também através delas que chegou aos nossos tempos, questionando nossas certezas, incomodando-nos em nossos confortos, recomendando-nos a boa luta do amor. Mas muito mais do que falar, este homem – seja ele Deus ou não, um profeta ou um enviado, ou qualquer que seja o papel que a crença pessoal queria atribuir-lhe – este homem, dizíamos, agiu. Não se pode negar que ele viveu em absoluta conformidade com suas palavras. Foi um homem de posturas, e não simplesmente de discursos. Exatamente, o que nossa pobre humanidade precisa, nesse nascer de novo século.
Hoje, desocupado dos afazeres habituais, caminhando por ruas cheias, banhadas pelo intenso sol do verão e com o frescor de uma leve brisa na pele e na alma, eu vi.
Vi um jovem que, após muito tempo, foi rever sua velha avó. Não era o relacionamento dos sonhos – nem ela era a vovó que preparava biscoitos e contava estórias, nem ele era o netinho ávido de aprender, a sentar em seu colo para ouvir. Mas eles se reencontraram num abraço sincero, forrado de sentimentos de compreensão e entendimento. Preocuparam-se um com o outro, falaram-se com carinho, e isso bastou. Onde antes havia frieza, uma fresta se abriu para novos sentimentos.
Vi um homem abraçando, sorridente, uma criança. Não era um brinquedo qualquer entre os dois, mas um instante, de leveza daquele homem, a erguer o menino ao alto. Um menino que não é dele; que já nasceu sem lar; que precisa e pede carinho sem palavras. Um alguém que há muitos anos abandonou os filhos em nome de ter, experimentar e dominar, e que agora quer simplesmente se reconciliar.
Vi uma moça, muito jovem, mas de rosto marcado. Conversa e abraça-se com outra, igualmente jovem, mas sem qualquer simpatia no rosto. Ambas, naquele momento, conversavam-se e entendiam-se como jamais tinham feito. Trocavam impressões, e falavam de conquistas. Sorriam uma à outra. Nem parecia que as duas, de maneira surda, repudiavam-se em seus corações. E agora se falavam – porque a primeira colecionava brinquedos para levar para crianças carentes, enquanto a segunda tinha decidido auxiliar. Pintavam com suas palavras cenas de crianças sofridas, porém sorridentes, a se divertir com brinquedos dados por vozes mudas e desconhecidas.
Vi senhores distintos descendo às zonas mais pobres do árido sertão. Levam nos caminhões, de que são proprietários, material de construção, roupas e demais utensílios. Construirão casas e cisternas, deixarão roupas novas e ferramentas para o trabalho. Auxiliarão, sem que ninguém o saiba, a famílias que desconhecem até mesmo o que é ter o pão sobre a mesa.
Vi a alegria do abraço sincero daquele que teve ferida a alma em seu ofensor, esquecendo todas as suas faltas, e celebrando a oportunidade de estarem juntos, aprendendo um com o outro. Ouvi até mesmo frases elogiosas! Verdadeiras? Que diferença faz?... Já o fez, e já foi belo. Afinal, que seria de nossa vida sem nossos ofensores? Como desenvolver sentimentos nobres, formas diferentes de se reinventar?
Vi sorrisos. Vi promessas de amor. Vi paz e reconciliação. Enfim, é Natal.
As lojas estão abarrotadas de pessoas apressadas, gastando suas poucas economias em presentes caros. As ruas têm figuras de anjos e trombetas penduradas nos postes, e as caixas de som tocam canções tradicionais, que falam de sinos a tocar em uma noite especial. Mas será que precisamos disso para amar?
Será que temos de passar onze meses do ano esquecidos uns dos outros, alimentando velhas mágoas que fazem nosso corpo adoecer, para então, num único dia, distribuir abraços e afeto?
Não. Esqueçamos a árvore, o peru e o homem vestido de vermelho. Nem pensar na excitação das festas regadas a álcool e comida pesada.
Pensemos apenas naquele homem. Aquele que foi capaz de amar aos seus irmãos da Judéia, e do Império Romano. Que se sentou à mesa com as prostitutas e com os doutores da lei. Que tinha a palavra certa para os pobres, e para o rico Zaqueu. A cada um deu um destino, ofereceu uma direção. E a todos marcou com sua passagem. Importou-se com eles, esqueceu suas dívidas, orientou seus passos, ajudou-os em suas necessidades. Viveu sem pedir nada em troca, amou desmotivadamente. Ninguém jamais se esqueceu dele.
Tão simples, não é mesmo? Sem honrarias, sem grandes gestos, sem esperanças ou pedidos de reconhecimento. Ele apenas fez. Pensemos apenas nisso – em tantas coisas belas e bonitas, que a lembrança daquele homem proporciona. Moralismo? Não, longe disso.
Apenas queremos nos perguntar... e se todo dia, em nosso coração, fosse Natal?
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
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Um comentário:
Vc voltou!! Que ótimo!!
Amei seu texto sobre o natal, me lembrou de uma passagem bíblica: Jesus nasceu numa manjedoura, pois não havia lugar para ele na pousada. Trazendo para os nossos dias, sempre me pergunto: E hoje há espaço para Ele em nossos corações? Por isso, o natal deve ser comemorado diariamente.
"E aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz. E deu à luz o seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem."
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