Olá, amigo. Que bem que você veio! Por favor, fique à vontade. Sente, relaxe, precisamos mesmo conversar. Faz muito tempo que você não vem aqui, e já estava com saudade.
Sei que você não veio mais por seus motivos. Entendo, é a falta de tempo, uma vida agitada, bem o sei! Quantos compromissos assumidos, não é verdade? Não sei se você precisava de todos esses, convenhamos. Podia ter evitado aquele passeio a mais, o hotel tão caro, um jantar naquele restaurante, convenhamos! Claro, você vai dizer que trabalha tanto, e merece ter alguns confortos. Sinceramente? Já não sei o que vem antes. São tantos “confortos” que precisam de tanto “trabalho”, ou será que tanto “trabalho” pede tanto “conforto”? Está bem, não precisa responder.
Mas eu andei reparando no seu descanso. Você tem ficado um bom tempo de mente agitada e corpo parado, não é? Sim, imagino que seja seu direito descansar, principalmente depois de tantas ocupações e preocupações – e, precisamos reconhecer, muito mais dessas do que daquelas, não é? De que adiantaram aquelas noites sem sono pensando em um negócio que não se concretizou? E as tantas brigas com os colegas da empresa, em nome de um controle que ninguém via? Será que valeu a pena tanto autoritarismo, para evitar que um colega que foi embora para o exterior tomasse seu lugar? OK, não vamos conversar sobre isso agora.
Falemos sobre aquele descanso. Sim, eu sei que você merecia. Mas, você tem mesmo descansado no fim de semana? Porque eu olho para você no Domingo à noite, quando você já ficou dois dias inteiros fazendo tudo o que você acha necessário para viver bem. E lá está você reclamando... O tempo é curto, e não dá pra descansar desse jeito. Sente aquele cansaço no corpo, mas isso é porque você não fez nada... Sabe, não somos samambaias, logo, não fomos feitos pra ficar parados. Fazem uns dois meses que você jurou a si mesmo que ia começar a correr todo dia de manhã, e até agora... Tirando duas ou três caminhadas... Não quer falar sobre isso também? Está certo...
Podíamos então falar sobre sua esposa. Sim, aquela "chata". Que não é chata coisa nenhuma, está apenas se preocupando com você. O que você queria, que a sua casa virasse uma enorme bagunça? Experimente olhar para o seu quarto nos – raros – dias em que você chega mais cedo, e veja o efeito de sua passagem por lá. Desastroso. Quase caótico. OK, talvez ela esteja exagerando na academia. Mas, olha, no lugar dela, acho que você faria o mesmo. Não creio que seja fácil ficar casado com as paredes de uma casa enorme e vazia. Sim, eu sei que é preciso sustentar fartos luxos com suor de um trabalho incansável. Mas aqui voltamos àquela pergunta que você não quer responder...
Veja, procure ver sua família! Eles não estão lá apenas para servi-lo, eles o amam! Talvez seja hora de valorizar mais tudo de bom e belo que você tem tão próximo de si. Quantos podem falar, orgulhosos, que tem pessoas tão dedicadas e amorosas ao seu lado? São raros os que chegam em casa e podem dizer que encontram um ambiente de paz, sem brigas... Apesar de sua falta de colaboração, já que você tem feito tão pouco por seu filho, mesmo com as tantas dificuldades que ele experimenta no colégio.
Se vou criticar também suas idas ao clube? Bem, acho que você poderia, sim, repensar. Ao invés de ficar horas no bar, gastando seu tempo discutindo a vida dos outros e bebendo incansavelmente, poderia ir até a quadra, correr um pouco, fazer um exercício qualquer... Seu médico já lhe avisou que o coração não é mais o mesmo, e que ele não suportará tamanha pressão, se você não cuidar melhor dele. E além disso, tem tanta coisa boa pra se fazer aí fora. São seus amigos? Estranhos amigos que te incentivam a ferir as pessoas, apresentando companhias de gosto duvidoso. Que te levam a ambientes deprimentes – e não sou eu que estou dizendo isso, é você mesmo! E, principalmente, que te abandonaram quando você mais precisaria deles. Talvez eles tenham feito isso porque aquele mal da garganta, segundo seu médico, é conseqüência dos anos de fumo inveterado, que vocês alimentam juntos. E, sabe como é, ver você naquele estado talvez não fizesse bem a eles. Vai que eles se convencessem que era hora de parar... Então, eles preferiram mesmo te abandonar.
Agora, imagine se você tivesse seguido só um pouquinho seu irmão. Desde já, vamos abandonar aquela conversa de que seu pai gostava mais dele, e lhe deu mais oportunidade. Você sabe que seu pai deu mais a ele porque ele sempre correspondeu, enquanto você achava seu pai um chato, que não sabia como enriquecer e ser feliz. O fato é que seu irmão está muito feliz. Principalmente depois que começou a usar o tempo dele em favor das outras pessoas. Nós sabemos que você se ralhou de inveja quanto viu aquele pessoal da favela vindo agradecer-lhe. Ele ajudou muito àquelas pessoas, ensinou aos menores as bases do violão, levou cestas básicas enquanto eles precisavam, conversou com eles. Você sempre preferiu dizer que isso é hora coisa do governo, da polícia, de qualquer outro... E você não ia perder seu Domingo com isso, não é? Mas aí voltamos àquele assunto que voce não quer conversar. Mas, olha, seu irmão parece muito bem...
Enfim, é claro que eu acho que você deveria repensar em todas essas coisas. Afinal, você conhece as regras do jogo: tudo o que fazemos volta pra nós. Não, isso não é catecismo barato, nem conversa de moralista. É a realidade, meu caro, e você sabe disso. Quem te socorreu na hora do aperto? O seu médico, único amigo que você manteve durante todos esses anos, e sua família, ou aqueles que se aproximaram depois que você foi promovido? E como você tem lidado com cada um deles? Está aí a prova... Acho que você deveria repensar, e tentar enxergar também o amanhã, e não apenas o hoje, antes de decidir. Eu sei que do outro lado pode parecer mais gostoso, mas tudo isso passa. Como um raio.
O que? Eu só o critico? Não posso fazer nada, essa é a minha função – reconhecer o que você fez de bom, e despertá-lo para o resto. Afinal, sou sua consciência.
Você vai embora? Tudo bem. Volte quando quiser. Saiba que eu continuo vigiando, e quando você decidir voltar, estarei pronta para dar-lhe mais dicas. Quero apenas relembrar-lhe que eu só quero te ver feliz. Sei que incomodo, mas que posso fazer?Então está bem. Boa sorte lá. Volte depois, e me conte como foi. Aliás, nem precisa contar. Eu estou vendo...
sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
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