domingo, 6 de setembro de 2009

Voltei...

O que de mais grave pode acontecer a quem sente?

Dizem que alguns têm medo de morrer; outros têm medo de viver. Há tantas coisas que podem acontecer no caminho. Mas, hoje em dia nada me amedronta.

Não é possível contestar que a hora da dor leva à mente em desalinho a dançar ao sabor de sentimentos perturbados pelo soçobrar de violentas ondas. Dobrado pela dúvida do que vem depois, quando nada é como se esperava ser, a alma questiona-se a si mesma e ao mundo. Nessa hora de escuridão, não é possível negar que a incerteza pode se transformar em temor.

Mas, desde agora, em que os céus e o mar da tranqüilidade comandam a jornada, nada me perturba com o seu simples “poder-ser”. Continuo andando pelas ruas pensando no amanhã e nas coisas por fazer; nos compromissos e nas dúvidas naturais do viver. Usando o poder de decisão, pensando sobre o que fazer, continuo vivendo como sempre vivi. E é esse o problema.

Porque não é o medo o que de pior pode ocorrer. Nem mesmo o mal que pode ter ocorrido, porque no fundo, criamos e vivemos males que não existem, senão em nossa tola mente. Não é o que pode acontecer ou o que aconteceu. É só um algo que se passou no fundo deste velho autor, sem que ninguém talvez tenha podido perceber.

Perdi o lirismo. Deixei de ver a beleza. Não consegui mais enxergar a poesia. Perdido entre contas a pagar e agendas a cumprir, congelei meu raciocínio. A leveza das letras que percorrem o espaço em branco, preenchendo com sentimento o vazio do dia a dia concreto, perdeu-se em alguma esquina do caminho, no meio das agruras da matéria que cobraram seu preço.

Deixei de sonhar. Parei de analisar. Não consegui mais criar belos mundos, em que, singelo, viajava, e criava coisas belas. Podia construir o que quisesse, pintar com as cores da mente as cenas que pudessem agradar não apenas ao gosto, mas ao querer. Todo autor é egoísta – escreve para satisfazer seu desejo de tornar concreto algo que ele visualizou, imaterial, em sua mente. Às vezes, mais alguém também sonha com aquilo. Pronto, está identificado o leitor, e estabelecido este estranho relacionamento entre estranhos.

Mas tudo isso, em algum lugar, se perdeu. Anseios, inquietações, dúvidas, alegrias, desejos... Ficaram menores que as faturas, os anseios do trabalho, as coisas por fazer. E eis que o poeta, egoísta e lírico, quase morreu.

Porque de repente ele renasce, gritando sufocado – não mais agüentou ficar perdido em meio a tantas coisas sem importância. Porque uma voz aqui dentro quer voltar a falar, a pensar, a rir e a chorar. Bastou olhar para alguém que, com sorriso no rosto, falava da beleza do viver com arte, sentindo-se tão feliz por simplesmente fazer o que sempre amou fazer. E esse maldito sentimento, a velha inveja, me fez olhar para dentro de mim mesmo e pensar – porque não eu? Porque não fazer aquilo que a mim, também, me faz sentir tão bem? E eis que das trevas nasce a luz, e no meio de linhas ainda tortas, desacostumadas ao toque nervoso do teclado, renascem os primeiros rebentos da criação, esta maravilhosa criação intelectual. Esse algo tão inconcreto, e tão duro quanto a tela branca que agora espera, impassiva, em minha frente. A maravilhosa sensação de explodir os sentimentos e poder decidir, na próxima linha... o que quero para mim, para o outro, para o mundo.

Na vida de verdade, tenho de me submeter à viver no mundo dos homens. Aqui, não. Posso voar, viver, ser feliz, ser perfeito... Posso construir estórias que elevam, personagens que me alegram, contos que me façam pensar. Posso viver a realidade que sonho, mas que não consigo concretizar. Posso ser, enfim, aquele que comanda, sem interferências, a bela vida que quero viver! Voilá!

E uma energia estagnada volta a explodir, em borbotões, dando vazão a tantos dias, meses, de ansiedade por renascer. São idéias que não se expressaram, sonhos que não se concretizaram, desejos silenciados. Mas, agora, não. Tudo posto à fora. Chega de esconder e reprimir o sincero desejo daquele que necessita expor-se e expor o que vê. É hora de voltar.